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Oh captain! My captain!

" But only in their dreams can men be truly free. 'Twas always thus, and always thus will be."

Oh captain! My captain!

" But only in their dreams can men be truly free. 'Twas always thus, and always thus will be."

Qua | 27.07.16

Kafka à beira-mar

Não é fácil falar do "Kafka à beira-mar" de Haruki Murakami. Essencialmente, porque compreende-lo é, por si só, igualmente complexo. A escrita de Murakami é relativamente simples, a complexidade não advém da estrutura frásica ou do emaranhado de palavras. Aliás, todas as suas obras primam pela simplicidade, o que as torna apaixonantes, viciantes e deliciosas. Não houve um único livro deste autor, até ao momento presente, que não me deixasse presa e a suspirar por mais. Mas engana-se quem pensa que, pela simplicidade, beleza e soltura com que Murakami escreve, as suas obras são de entendimento fácil. Não são e duvido se alguma vez as compreenderei completamente. Se conseguirei captar verdadeiramente a mensagem que o autor nos tenta transmitir. Porque existe uma complexidade mágica nos enredos que Murakami tão natural e livremente nos conta. A realidade e a fantasia fundem-se, o impossível não existe e o universo das possibilidades expande-se de tal forma que, a dado momento, as coisas mais inacreditáveis já não nos surpreendem. Pelo contrário, são expectáveis. Com Murakami sabemos que para entrarmos completamente na aventura, a lógica, a racionalidade, a necessidade de desfecho e de certeza ficam à porta. Temos de nos soltar de tudo aquilo que nos dá segurança e deixar-nos ir, o que não é difícil porque a sua escrita é aditiva.

Kafka à beira-mar é, de todas as suas obras que já li, o melhor exemplo do uso da magia, dos mitos e lendas que podemos encontrar na (vasta) obra de Haruki Murakami. E, precisamente por isso, não está ao alcance de todos. Não me refiro ao sentido de compreensão, mas ao de gostar. Contrariamente a outros romances do autor, que a partir das primeiras linhas, nos fazem sentir amarrados, Kafka à beira-mar é uma obra estranha e que uns conseguem entranhar, enquanto outros nunca deixam de estranhar.

Confesso-vos que, apesar de toda a história ser até um pouco mirabolante e recheada de conteúdo fantástico, adorei. A beleza deste livro não está numa trama incrivelmente construída (embora também o seja), mas no facto de que, a cada momento da história podemos retirar uma lição, uma outra forma de contemplar o mundo, uma aprendizagem. Com diálogos ternos, simples, mas intensos, dei por mim a refletir em tantos aspetos da vida, mais do que a própria história em si. E Murakami tem o dom de nos envolver em redes de mistérios que, quando damos por nós, já estamos de tal forma envolvidos que não conseguimos encontrar o caminho de volta, sendo obrigados a continuar e a desbravar florestas e recônditos para desvendar o segredo.

Uma vendedora de uma livraria confessou à minha mãe que nunca conseguiu acabar de ler o Kafka à beira-mar. Que era aquele tipo de livro que não fazia qualquer sentido. E é verdade. Mas é isso que o torna fascinante: a desnecessidade de haver um sentido, uma coerência; a total liberdade de lógica.

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