Terminei ontem de ler o Revolutionary Road (de Richard Yates) e, meus amigos, ainda me estou a tentar recompor. Pelo final da história (forte, surpreendente e intenso!), mas também porque durante estes dias de leitura, as personagens habitaram o meu universo e eu o delas. Envolvi-me muito na história, sofri nos momentos difíceis, sorri nos pontos altos, fui surpreendida e, noutros momentos, confirmei as minhas suspeitas.
Sabem aqueles gráficos do ritmo cardíaco, característicos dos filmes, que oscilam e (normalmente) estabilizam quando a pessoa finda e deixa de respirar? O Revolutionary Road é mais ou menos como essa imagem. Não a qualidade da escrita e da história, mas o ritmo da mesma. Há momentos de ascensão plena, que se seguem pela queda abrupta no solo. E, entretanto, alguns intervalos de equilíbrio. Como a própria vida, sabem? Há um ritmo, uma cadência em toda a narrativa que nos faz sempre pensar que o escritor conseguiu dar uma enorme realidade às personagens e ao seu desenvolvimento. Tudo que acontece nos faz sentir que poderia acontecer connosco. Podíamos ser nós a desenhar sonhos, planos, a construir objectivos que, devido às surpresas do destino, caem por terra e nos fazem apanhar os cacos do que poderia ter sido e nunca será.
Conhecemos, de perto e minuciosamente, a velha história do sonho americano. Se com The Great Gatsby de Fitzgerald viajamos até aos loucos anos 20, marcados pela decadência e ausência de valores, em Revolutionary Road de Yates somos levados até aos anos 50, em que os homens trabalham de forma repetitiva e mecânica e, as mulheres, ficam em casa a tomar conta dos filhos e das lidas domésticas. Não há espaço para grandes devaneios e o sonho passa, essencialmente, pelo enriquecimento e pela qualidade de vida. Mas o casal Frank e April Wheleer tem uma visão diferente de como a vida deve ser vivida, preocupam-se com outro tipo de questões, fazendo-os sentir uns outliers na sociedade americana de então.
Este casal é o portal que nos permite fazer esta viagem no tempo e compreender a força, bem com o desgaste, do amor, a euforia dos sonhos e ilusões e a frustração e desamparo das desilusões e dos planos não concretizados. Tanto Frank como April, retratam, de certa forma, pedaços de cada um de nós: de como nem sempre tiramos o máximo partido das nossas capacidades e de como adiamos os nossos sonhos e anulamos as nossas potencialidades. O que resta quando não se atinge tudo que se ambiciosa e/ou que se sabe que se poderia atingir? A sensação de perda, de que a vida fugiu das nossas mãos e que é tarde demais.
É também esta história de amor e desamor que nos prende a este livro. Sofri com Frank, quando as suas tentativas de reconquistar a mulher caiam por terra, mas também fui solidária com April e partilhei consigo a sua visão triste do mundo e da sua vida. Desiludi-me com Frank, perante algumas duas suas escolhas, mas nunca deixei de me surpreender com a força de carácter desta personagem. Com ambos fiquei feliz quando arranca a segunda parte do livro (e o seu grande plano), assisti ansiosamente ao duelo e à decisão final perante uma partida do destino e, no final, deixei o meu coração na última página.
Mas há mais personagens na história que nos tocam e que estão na trama precisamente para confirmarem esta paisagem que Yates nos oferece daquela época. Temos os Campbells, os Gravings e até os elementos da Knox (empresa onde Frank trabalha), que, à sua maneira, acrescentam muita riqueza a esta narrativa.
Posso dizer-vos que comprei este livro a apenas 3€, numa lojinha outlet, com as expectativas baixas e sem grande conhecimento do autor. Foi uma das melhores surpresas literárias que já tive e lerei, com certeza, mais livros de Richard Yates, que tinha um dom para a descrição e para nos envolver de tal forma nas palavras como se fossemos também nós parte da história e como se os acontecimentos escritos no papel fossem dirigidos à nossa vida real.
Ok, chegou a hora da confissão. Tenho dois hábitos terríveis, que tenho tentado corrigir:
1) Ler a última página do livro antes de o começar a ler;
2) Dobrar o canto das folhas para marcar o livro ou utilizar a parte da capa que se dobra para o fazer.
O 1º hábito é péssimo porque, em alguns livros, já me matou o suspense tudo que o livro me poderia oferecer se eu tivesse estado quieta. Às vezes não entendo patavina, mas a meio da história acabo por me lembrar do que li e pronto, está tudo estragado. Tenho tentado não fazer isto e tenho conseguido (yeah!). O 2º hábito continuo a fazer, confesso. Eu sei que há pessoas que estimam os livros como se eles fossem peças de museu e respeito muito quem o faz. Mas eu, pelo contrário, gosto que os livros se assemelhem a mim, que tenham a minha marca. É, portanto, frequente dobrá-los, marcar as páginas, às vezes até assino o meu nome ou até sublinho frases e expressões que jamais poderei esquecer. São meus, são à minha medida. Mas pronto, sei que esteticamente o livro acaba por ter um aspecto mais degradado.
Vá lá amigos, quantos pais nossos e quantas avés marias me atribuem depois destas minhas confissões?
O quê que se está a passar este ano? É frequente isto acontecer e sou apenas eu que estou mais atenta a estas notícias ou está a ser uma recolha mortal dos melhores artistas de sempre este ano? Começo a ficar assustada com as proporções que isto está a tomar.
Por muito que se diga que não podemos julgar o livro pela capa, acredito que 95% das pessoas pegam em determinados livros pela sua capa. É a primeira impressão, o primeiro contacto, portanto, tem de ser apelativo! Claro que a capa é apenas o primeiro passo, depois leio sempre o resumo, vejo as críticas (se existirem) e o escritor e, só após tudo isso, é que me decido na compra. Mas não posso mentir-vos: uma boa capa prende sempre a minha atenção mesmo quando o livro é uma autêntica desilusão.
- Uau - disse ele. - Agora é que disseste bem. O vazio sem esperança. Diabos, montes de gente está na parte vazia. Lá onde eu trabalhava, na costa, era só do que nós falávamos. Sentávamos por ali a falar do vazio a noite toda. Mas, nunca ninguém disse que não tinha esperança; era aí que nos acagaçávamos. Porque talvez seja preciso uma certa dose de coragem para ver o vazio, mas é preciso muito mais para se ver que não tem esperança. E acho que quando se vê realmente que não tem esperança, é quando não há mais nada a fazer a não ser ir embora. Se se puder.
Revolutionary Road, Richard Yates, p. 166
Juro-vos que quando terminar, escreverei uma crítica à séria e consistente. Mas, neste momento, só consigo surpreender-me, cada vez mais, pela positiva quanto mais avanço no livro. E quantas expectativas já não matei ...!
Juro-vos que sou a pessoa que menos olha para o que os outros têm e/ou fazem com desagrado/desânimo e fica a pensar na desgraça e miséria que é a sua própria vida. Muito pelo contrário, olho, frequentemente, com um olhar de gratidão para aquilo que a vida me deu e tem dado até ao presente. É verdade que já me deu alguns dissabores, mas no geral, o saldo é positivo. Mas, até eu, que prego o discurso de que devemos sempre olhar para a riqueza da nossa vida primeiro, tenho os meus limites.
E sinto-me triste quando, perante uma óptima notícia, um excelente acontecimento de uma pessoa que é muito querida, fico, em primeiro lugar, amarga e a pensar na pobreza da minha vida do que feliz. Fico desapontada comigo, desiludida mesmo.
Por outro lado, tento humanizar-me um pouco e normalizar a minha reacção. Eu também gostava de ter as mesmas oportunidades; que os astros, por uma vez, se alinhassem na minha direcção (e na da minha família). Acho que não se trata de não querer que os outros tenham oportunidades e felicidades, mas sim de que eu também gostava de as ter. Porquê que para uns é tudo tão mais fácil, menos descomplicado, menos sufocante? Só pedia um bocadinho disso. Nem é tanto para mim, mas sobretudo para a minha família. Acho que depois de tudo que temos vivido, merecíamos uma luzinha no horizonte, por mais pequena que fosse.
Mas depois, nesta conversa comigo própria, aparece o lado racional: e todas aquelas pessoas que nem sequer têm uma família? Um lar? Saúde? Amor? Que lutam, dia sim dia sim, para sobreviver, sabe deus com que forças, para se aguentarem por mais um dia. Que a vitória, a felicidade nasce de mais um dia que foram capazes de enfrentar. É quando penso em todas as pessoas que estão, não piores que eu, porque eu nem me posso igualar a elas, mas que estão efetivamente mal, que merecem, mais do que todos e tudo, oportunidades, que me sinto asquerosa por não conseguir ficar feliz com a felicidade dos outros.
Não me acontece muitas vezes comparar-me desta forma, crua e dura, com a vida dos que me rodeiam. Por norma, acho que esse tipo de pensamentos são tóxicos, arrastam-nos para o fundo e para um beco escuro, onde tudo é de tonalidade escura. Mas hoje, confesso-vos, fui incapaz de conter esses pensamentos no inconsciente e eles soltaram-se todos, desregulados e precipitados. Sinto-me envergonhada comigo própria.
Perder tempo e energia a invejar os outros, as suas coisas e possibilidades, não faz de nós melhores; não faz de nós nada. Torna-nos mesquinhos, negativos. Maus até. E insatisfeitos com toda a riqueza que existe nas nossas vidas. Com as pequenas coisas que, por serem tão pequenas, mal damos por elas todos os dias: afinal, elas estão sempre lá. Até ao dia em que se esfumam, em que o chão abana, treme e nos foge dos pés. É nesses momentos, em que o mundo nos engole, que podemos verdadeiramente olhar para os outros e invejar um pouco a sua felicidade. Não é com coisas pequenas como eu hoje fiz. E estou precisamente a escrever tudo isto como um sermão de mim para mim. Não tanto para me castigar, mas para me relembrar da beleza que tenho em meu redor. Para me sentir grata. Para por as coisas em perspectiva e compreender que às vezes as emoções são mais rápidas, mais velozes e que nos comandam feitas doidas. Mas, cedo ou tarde, o lado racional vem ao de cima e ilumina-me.
E, à pessoa que merecia a minha alegria, o meu sorriso mais verdadeiro e puro, desculpa. Honestamente, com todo o arrependimento, desculpa a minha reação infantil e quase que maldosa. Desculpa.
Tenho muita vontade de aprofundar a personagem Marta da Lua de Joana da Maria Teresa Gonzalez. Ficamos a conhecer muito desta personagem pelo que a Joana nos vai contando, subtilmente, nas suas cartas, mas sempre fiquei com uma enorme curiosidade sobre esta personagem. Como era fisicamente? E como é que era a sua maneira de estar na vida? O que pensava? Como se expressava? Com quem se dava? Ficou-me sempre o bichinho de explorar mais esta rapariga que apenas conhecemos num estado de post mortem.
Acho que, não somente a personagem que vou nomear merecia um livro só dela, como eu também precisava de saber mais sobre ela. Fiquei angustiada quando li o À procura de Alaska do John Green, não só pelo desfecho do livro, mas sobretudo porque queria saber mais daquela rapariga tão misteriosa e atrativa que era a Alaska. Ok, talvez ela não seja bem uma personagem secundária, porque a história gira muito em seu torno, mas nunca a conhecemos diretamente. Tudo que conseguimos saber advém do narrador, Miles, que é um rapaz que fica perdidamente apaixonado por Alaska. Então, tudo acaba por ter muito mais do Miles (os seus sentimentos e pensamentos) do que da própria Alaska. Senti falta de a conhecer melhor e, essencialmente, de entender aquele final.
(era para ter sido publicado ontem, mas enganei-me e voltei a editar e guardar nos rascunhos em vez de publicar!)
Acho que não há nenhuma personagem que nunca devesse ter sido criada, sinceramente. Porque por mais horripilante, odiável e asquerosa que seja, todas as personagens acabam por contribuir para a história, para a tornar mais empolgante, mais misteriosa e intensa. E mesmo as personagens mais mornas, quase inexistentes, acabam por ter esse papel, que também faz parte e até chega a representar a realidade, porque quantos de nós não conhecemos pessoas assim na nossa vida? Por isso, acho que não consigo mesmo escolher alguém para esta categoria.