A desilusão do divã.
Eu sinto-me na obrigação de falar deste último livro que li. Nem é bem obrigação, é mais uma necessidade que me consome, esta de ter de partilhar a minha surpresa com este livro.
Para os mais distraídos (não vos condeno!), o livro que estava a ler (terminei ontem) foi Os pacientes de Freud de Mikkel Borch-Jacobsen. Não é que eu seja muito freudiana ou até apologista desta vertente da psicanálise ou psicodinâmica, mas o Freud é um nome histórico, é muito mais do que um vulto da psicologia, ele estende-se a muitas outras áreas e ocupou um lugar sólido na história do século XIX/XX. Portanto, a curiosidade sobre este senhor estava activada e ainda subiu de nível quando entendi que o livro contava cerca de 32 casos clínicos, muitos deles escritos pelo próprio Freud (mas com outros nomes, para proteger os envolvidos) ao longo da sua carreira. A questão é que uma coisa é ler os casos pela escrita do próprio psicanalista, outra é descobrir quem foram, realmente, estas pessoas e quais eram as suas histórias e o que as levou até ao divã. Eu, como adoro esta viagem pela vida dos outros e adoro uma boa narrativa, amarrei no livro (cerca de 10€, na Fnac) e só parei quando cheguei ao último caso.
Bem, posso dizer-vos que toda esta leitura é uma chapada na cara. Por vários motivos, meus caros. O primeiro, e mais flagrante a meu ver, é descobrir que o senhor Sigmund Freud foi autor de muitas asneiradas e que, muitas delas, arruinaram a vida de muitos pacientes ou, pelo menos, não curaram e agravaram os seus problemas. Mas coisas a sério, desde pacientes ficarem viciados em cocaína e outros a ficarem com o rosto desfigurado (por cirurgias que ele recomendava pois, no seu entender, resolviam as ditas neuroses). Todo o livro é um rol de histórias em que nos deparamos mais vezes com a "monstruosidade" e ficção da psicanálise do que propriamente com a genialidade do seu autor e desta vertente da psicologia. Depois, ficamos a perceber que existia todo um jogo de interesses, muito poucos éticos, entre os ditos membros da sociedade vienense psicanalítica. Desde casos com pacientes a tratar parentes directos (como os próprios filhos), era o vale tudo. Além disso, também ficamos com um retrato muito curioso de Viena do século XIX/inícios séc. XX, pois isto da psicanálise era cura que só podia ser desembolsada por gente com riqueza e património. A quantidade de novos e velhos ricos que sofriam da alma era elevadíssima! Desde problemas de origem mais genética/biológica a problemas de existência, há de tudo. E há, infelizmente, muitos relatos da incoerência das interpretações de Freud, da dissimulação do mesmo face aos escritos dos casos (por exemplo, casos que terminaram em insucesso e o Freud escreveu-os como o maior êxito), da falta de empirismo da psicanálise, entre outros.
Eu achei uma leitura deliciosa, confesso. Fez-me questionar muito sobre esta grande personalidade, sobre toda a abordagem psicanalítica, mas deu-me a conhecer 32 pessoas, as suas famílias, as suas histórias, as suas relações e o que as atormentava e preocupava. Algumas coisas foram chocantes e ter conhecimento das mesmas faz-me compreender a necessidade de sermos críticos, de não nos deixarmos levar pela palavra da autoridade quando não nos faz muito sentido (isto porque, alguns pacientes ficavam a pensar que tinham determinadas memórias atrozes, porque o Freud basicamente as criava e interpretava a situação do sujeito a partir dessa memória inexistente e irreal).
Aconselho a quem gosta deste tipo de leitura e quem gosta de se surpreender, mas sei que não é o livro mais apaixonante à face da terra. No entanto, amigos, se gostam de uma boa novela mexicana, este livro não vos vai desiludir, porque o pessoal de Viena daquela época vivia a vida num outro plano, com muitas emoções à mistura!