We can be heroes, just for one day.
O paradoxo da existência humana está em morrer-se em cada dia um pouco mais, mas que esse dia é, também, uma herança de vida legada ao futuro, que o futuro, longo ou breve seja ele, deverá assumir e fazer frutificar.
José Saramago
Li esta frase na Fundação José Saramago (Casa dos Bicos) quando a visitei, pela primeira vez, em 2014. Tocou-me de forma especial, na altura não entendi muito bem o porquê. Mas ficou a marinar na minha mente e, confesso-vos, ainda hoje sinto a necessidade de estudar cada uma das palavras com calma e serenidade, para extrair delas a máxima que Saramago nos deixou.
Muito pouco tempo após esta minha visita, perdi uma pessoa muito importante na minha vida. E a maldita da frase voltou a ecoar na minha cabeça. Como uma música em que ficamos viciados e não conseguimos parar de reproduzir na nossa mente. Fazia-me muito mais sentido do que antes, do que na primeira vez que a li. Talvez porque este grande primeiro contacto com a morte reacendeu todas as questões existenciais que sempre enderecei aos outros e não a mim mesma. Aquela velha história, que trocada por miúdos, se traduz em "Não acontece só aos outros". É que antes eu vivia muito segundo esta máxima, de que os problemas graves, as adversidades mesmo intensas e negras, só batiam na porta do vizinho. Eu, do outro lado do corredor, sofria, empatizava, mas de longe. Até que a campainha soou nesta ainda pequena casinha que é a minha vida e não havia alternativa se não ir abrir a porta do destino.
Posso dizer-vos que sofri muito nesses tempos da minha vida. Que todo esse confronto com a inevitabilidade da morte e a finitude da vida me causaram medo (que eu já não sentia desde os tempos em que era mesmo uma criança), ansiedade e aflição. Mas porque tudo tem duas leituras, duas faces, o sofrimento também se revelou uma oportunidade de crescimento. De análise, de reflexão à maneira como vivia as situações ou, talvez, como deixava de as viver. Tornou-se uma possibilidade de me complexificar, de me engrandecer dentro dos limites da pequenez que me caracteriza. Simplesmente: mudei.
Todos aqueles mil planos mirabolantes, as ansiedades provocadas pelas antecipações desnecessárias se esfumaram. Para quê? Passei a amarrar-me ao que tenho de mais seguro e garantido: o agora, o momento presente. Calma, não vivo em modo YOLO (até porque para isso é preciso ter swag e eu nem sequer umas adidas stan smith tenho!), mas comecei a dividir as preocupações e a multiplicar os momentos de bem-estar e felicidade. Por exemplo, quem é (e mesmo quem não é, vá lá) estudante universitário sabe que existe um fenómeno, que acontece com todos os professores, que é o de marcar todos os trabalhos, apresentações, frequências, exames, o que seja, para a mesma altura, tudo seguidinho (e os malvados dos professores a rirem-se de nós, está claro!). Eu tenho muitos colegas que sufocam com este tipo de situações, mas comigo, as coisas inverteram-se. Uma coisa de cada vez, a seu tempo e ritmo, porque no final o trabalho aparece sempre. Não pensem, com isto, que sou aquele elemento baldas do grupo, que se encosta! Sou apenas a pessoa que acalma os ânimos e transmite o optimismo de que há coisas bem piores e que são muito poucas as coisas que justificam a perda de paz de espírito.
Não era assim a minha maneira de ser. Eu vivia anos de luz à frente, num futuro que nem sei se me pertence. Claro que tenho sonhos, construo projectos e planeio, crio objectivos, mas já não consigo ser arrogante como era perante a vida e achar que o possível me é impossível. Usufruo do que a vida me dá de outra forma, não faço tantos fretes como antes, já não deixo tantas coisas por dizer (embora algumas ainda custem, só lá vão à força) e, sobretudo, faço aquilo que me faz feliz, sem pensar primeiro no que os outros irão pensar ou dizer. É uma coisa bem simples, tão fácil, pensam vocês, e que eu, para aprender, precisei de perder uma pessoa querida. É verdade, foi preciso um abanão da vida para me acordar, que eu sozinha não ia lá. Se alguma coisa justifica a perda da minha pessoa especial, que ao menos seja este salto, esta micro evolução que se deu na minha alma. Mas, no final, o que conta mesmo é este pedacinho de tempo, este bocado de vida do qual realmente usufruímos. Porque tudo o resto, passado e futuro, são heranças deixadas aos que cá ficam; a nós só nos pertence esta partícula de segundo, este momento e, até mesmo este fragmento de tempo, tem a curta duração do instante que passa. Portanto, questiono novamente, para quê demonizar a vida e enche-la de fracturas, onde em vez de abrirmos buracos, devíamos antes procurar construir pontes?